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julho 10, 2009

MEU CORAÇÃO


"Dos corazones debiera tener.


Como los ojos, las manos, los pies.


Si uno se enferma de pena y dolor;


el outro, que esta sanito,


se va buscando outro amor."
(Canção popular chilena)



Meu coração percorre o mundo há milênios: das grutas paleolíticas, onde primitivas mãos o plasmaram na rocha para sempre, às pirâmides egípcias, em cujos ventres úmidos ele guarda o sono de faraós e rainhas; da velha Índia dos filhos de Shiva e Shakti às eras aztecas em que, pulsante foi ofertado em sacrifício ao Sol; da Grécia antiga à Galiléia dos caminhos de Cristo; das escuras aldeias medievais às feéricas cidades deste presente inquieto e inquietante, por cujas ruas levo-o comigo, anônimo, sossegado ou agitado em meu peito, jogando laços de afeto que vão aprendendo a beleza, emoção, o amor e, quando possível, a cumplicidade, território onde só permito a entrada a muito poucos.

E porque sua amplidão é infinita e contraditória – Contradigo-me? Sim. Contenho multidões, diria o poeta -, meu coração me diz que também pode ser abrigo de mágoa ou bomba capaz de ferir com ódio.
Muito antes de transformar-se em palavra, construída pelo velho latim – cor – e o antigo grego – ker, kear, kardia -, meu coração já media seu ritmo pelo sangue e o símbolo, atravessando os séculos, como tenho o pressentimento – que os hispanos chamam de corazonada – de que ele sobreviverá a mim na lembrança de quem me ama. Nesse caminhar; sua personalidade se multifacetou em flor e lago, campo e mar, em montanha, ouro e pedra, em leão. Em passarinho, como na inspiração de Castro Alves: O coração é o colibri dourado / Das veigas puras do jardim do céu. / Um – tem o mel da granadilha agreste, / Bebe os perfumes que a bonina deu. / O outro – voa em mais virentes balças. / Pousa de um riso na rubente flor. / Vive do mel – a que se chama – crenças, / Vive do aroma – que se diz – amor.
Esse simbolismo se universalizou em canções e poemas em todos os idiomas, como se o sangue dos povos se misturasse e a linguagem cardíaca se amalgamasse indissoluvelmente. Assim, meu coração também é poliglota e eu posso ofertá-lo à humanidade sabendo que ela inteira me entenderá quando, sem precisar indicar seu lugar em meu peito, eu disser apenas: coração, corazón, heart, cuore, hjerte, sydän, herz, szird-is, hjärta, coeur, ssird, hjerte, cord, kardia, hrid, crudize, ssirds, hearte, hairto... e todas as palavras que ainda não aprendi a dizer, mas que posso sentir plenamente, pois como aconteceu com Maiakovski. Comigo a anatomia enlouqueceu. / sou todo coração!
Por tudo isso, meu coração é universal como uma sinfonia, uma escultura ou uma tela, que pode encantar ou ferir, inspirar ou entristecer; exaltar ou denunciar.
E paradoxalmente autêntico: território sagrado e profano; sábio – mais do que a mente, dizem, filosoficamente, os chineses – e ingênuo; ancestral e criança; caçador da paz, mas, se preciso, ferozmente disposto para a guerra; egoísta e magnânimo; fonte da minha vida e – quem sabe? – da de mais alguém; astucioso e franco; objeto do doar-se e ninho de acolher a amplidão, temeroso e temerário; espontaneamente falante e teimosamente calado; arrojado e tímido; eufórico e choroso; simbólico e visceralmente real; cofre de sangue e sonho.
E, embora planetário, o melhor é saber e sentir; como Werther, que meu coração, só eu o tenho. E quem não me compreende – que pena! É porque não tem coração.



Wilson A. de Oliveira Jr.
Prof. Adjunto de Cardiologia da Universidade de Pernambuco - UPE.

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