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janeiro 25, 2008

"Sem Mandamentos", por Osvaldo Montenegro

"Hoje eu quero a rua cheia de sorrisos francos
de rostos serenos,
de palavras soltas
eu quero a rua toda parecendo louca
com gente gritando e se abraçando ao sol
Hoje eu quero ver a bola da criança livre
quero ver os sonhos todos nas janelas
quero ver vocês andando por aí
Hoje eu vou pedir desculpas pelo que eu não disse
eu até desculpo o que você falou
eu quero ver meu coração no seu sorriso
e no olho da tarde a primeira luz
Hoje eu quero que os boêmios gritem bem mais
eu quero um carnaval no engarrafamento
e que dez mil estrelas vão riscando o céu
buscando a sua casa no amanhecer
Hoje eu vou fazer barulho pela madrugada
rasgar a noite escura como um lampião
eu vou fazer seresta na sua calçada
eu vou fazer misérias no seu coração
Hoje eu quero que os poetas dancem pela rua
pra escrever a música sem pretensão
eu quero que as buzinas toquem flauta-doce
e que triunfe a força da imaginação."
(Oswaldo Montenegro)

janeiro 15, 2008

Maria, por Lua Durand




- O futuro não existe, mas como explicar o que é o momento depois que você acabar de ler esse texto?-

Maria.


Noite de lua cheia e céu estrelado, as 20:00h o mundo ia pra casa, Maria não.

A casa dela era o Recife a céu aberto, e aquelas ruas de pedras ainda mais velhas do que ela.

Ela dormia no começo do mundo, no começo do seu mundo, exatamente sobre o km 0 do marco 0 de Recife. Dormia embalada não sei por qual melodia, coberta com pedaços de papelão.

A lua cheia a chuva veio, Maria de tudo fez para resguardar um pouco os seus poucos bens.

Mas sabe como é quem tá na chuva é pra se molhar, Maria chorou. A sua televisão era o asfalto e a solidão, e em dias de fome era a mesma dos cachorros em frente a alguma padaria.

Maria vivia, ou deixava-se viver. O peso da vida lhe era aparente sob a forma de uma corcunda, mas não seria esse critério que lhe definiria a beleza. Ela era bonita, muito até, com um sorriso encantador e os olhos vagos, fugindo do mundo.

- Onde o seu mundo começava, o seu mundo terminou. -
Lua Durand


janeiro 12, 2008

METADE, por Eluza Barros

Metade de mim é razão
a outra é sensibilidade,
metade é paixão, chama que arde,
fogo que queima,
a outra é paz que acalma,
incenso que perfuma a alma,
devoção que alimenta, amor que persiste,
água que purifica

metade de mim é ternura
a outra é loucura,
metade experimenta,
seduz, enfeitiça,
me faz mulher,
docilmente submissa,
feminina,
metade me leva por seus caminhos,
a outra percorre os meus,
metade se esvazia para eu ser inteira,
esgota-se para me tomar

metade sangra outra cura,
metade fere outra perdoa,
metade me torna bela,
elegante,
me alegra e faz feliz,
metade divide dias felizes com minhas noites de dor,
Chora para a outra sorrir,

Cala para a outra ouvir,
porque metade de mim anda, fala, come

metade é cor, luz e magia,
metade tem sabor de desejo
e cheiro de alecrim,
metade dança, canta,
se faz menino para me encantar,
metade é chuva
a outra metade é sol,
de um lado primavera
do outro outono

metade se faz berço para eu dormir e
noite para embalar meus sonhos.
Metade
minha cara metade,
meu outro lado
meu eu completo
meu todo.
Que nome você tem?

(republicando esta postagem atendendo a pedido de um amigo muito especial).

janeiro 11, 2008

NADA COMO O TEMPO!, por Mário Quintana

Com o tempo, você vai percebendo que para ser feliz com uma outra pessoa,você precisa, em primeiro lugar, não precisar dela.

Percebe também que aquele alguém que você ama (ou acha que ama) e que não quer nada com você, definitivamente não é o "alguém" da sua vida.

Você aprende a gostar de você, a cuidar de você e, principalmente, a gostar de quem também gosta de você.

O segredo é não correr atrás das borboletas... é cuidar do jardim para que elas venham até você. No final das contas, você vai achar não quem você estava procurando, mas quem estava procurando por você!

"O AMOR É IGUAL A UMA BORBOLETA,QUANDO VOCE TENTA PEGA-LA, ELA FOGE, MAS QUANDO VOCE TA DISTRAIDO, ELA VEM E POUSA EM VOCE!!!!!!!!!!!!!!"

janeiro 10, 2008

Poema 1, por Regina Werneck


Como se faz para pintar
uma flor
que nasceu de um sonho
de criança
com que tintas se pinta
uma ilusão
e com que cores se colore
o amor
Como se faz para escrever
canções
que falem da luz daqueles olhos
tristes
que falem do riso que não se
escutou
e do que a gente nunca se
esqueceu
Como se faz para não se
esquecer
do que foi somente um dia a mais
na vida
do que é feita a ilusão
da vida
e de que cor eu pinto
o esquecer
Não sei de cores e não sei
pintar
sei bem demais só de
esquecimento
mas como vou pintar este
momento
em que pergunto como é que
se faz .

A Moça Tecelã, por Marina Colasanti

Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite.
E logo sentava-se ao tear.
Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o horizonte.
Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava.

Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela.
Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a acalmar a natureza.
Assim, jogando a lançadeira de um lado para outro e batendo os grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça passava os seus dias.
Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor de leite que entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranqüila.
Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.
Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e pela primeira vez pensou em como seria bom ter um marido ao lado.
Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava justamente acabando de entremear o último fio da ponto dos sapatos, quando bateram à porta.
Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi entrando em sua vida.
Aquela noite, deitada no ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade.
E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque tinha descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.
— Uma casa melhor é necessária — disse para a mulher. E parecia justo, agora que eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo, fios verdes para os batentes, e pressa para a casa acontecer.
Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente.
— Para que ter casa, se podemos ter palácio? — perguntou. Sem querer resposta imediatamente ordenou que fosse de pedra com arremates em prata.
Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas, e pátios e escadas, e salas e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o ritmo da lançadeira.
Afinal o palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o marido escolheu para ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre.
— É para que ninguém saiba do tapete — ele disse. E antes de trancar a porta à chave, advertiu: — Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos!
Sem descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de luxos, os cofres de moedas, as salas de criados. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.
E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira vez pensou em como seria bom estar sozinha de novo.
Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas exigências. E descalça, para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre, sentou-se ao tear.
Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira ao contrário, e jogando-a veloz de um lado para o outro, começou a desfazer seu tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins. Depois desteceu os criados e o palácio e todas as maravilhas que continha. E novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim além da janela.
A noite acabava quando o marido estranhando a cama dura, acordou, e, espantado, olhou em volta. Não teve tempo de se levantar. Ela já desfazia o desenho escuro dos sapatos, e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as pernas. Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o emplumado chapéu.
Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara. E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do horizonte.


Texto extraído do livro “Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento”, Global Editora , Rio de Janeiro, 2000.

janeiro 08, 2008

Se viesses comigo

Se viesses comigo te banharia
nas águas puras e cristalinas das pias batismais.
Teus cabelos negros
lavaria em água perfumada de alecrim.
Nas mãos, óleo de jasmim a deslizar teu corpo,
para depois envolver-te com o manto das divindades sagradas.
Tua fome saciaria com finas e raras iguarias e te ofertaria vinho,o mais inebriante.
Ornada de grinalda, flores e vestes de luz
caminharia ao teu lado sob jaspes e pétalas.
Na noite escura, à luz das estrelas,
qual loba faminta te devoraria, louca, insana e voraz.
Penetrando a madrugada abriríamos o universo a desvendar todos os mistérios...
tal qual estrelas,indeléveis,soltas e fugazes.

(Lu Barros)

Éramos dois, por Edson Marques



como se fôssemos mais,

e éramos tantos

como se dois

apenas.

Então,

a porta do meu peito

se abriu

como um sorriso terno

que beijava o sol

daquela tarde:

as dobradiças não rangeram,

não havia cheiro

de coisas antigas,

nem se crisparam as mãos.

E o sorriso da porta

cresceu

de forma tranqüila

e se fez palavra.

Naquela tarde

não houve sombras

na minha espera.
Edson Marques

janeiro 07, 2008

Esperança, por Mário Quintana

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...

janeiro 01, 2008

Receita de Ano Novo, por Drummond

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris,
ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano não apenas pintado de novo,
remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo,
espontâneo,
que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come,
se passeia, se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha
ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?passa telegramas?)
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade,
recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados,
começando pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro,
tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo,
eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você
que o Ano Novo cochila
e espera desde sempre.